QUATRO ESPAÇOS POR DIVERSAS
TEMPORALIDADES
Se minha consciência é capaz de
mover-se através de diferentes esferas da realidade, isso implica uma espécie
de “choque”, parafraseando Berger, principalmente quando esta persona, que aqui vos fala, permite-se
flanar pela cidade, diminuindo o ritmo e centrando o olhar para entrar na
dimensão do tempo kairós, de
percepção sinestética.
ESPAÇO 1: SESC
Nesse sentido, o ‘aqui’ do meu
corpo, na temporalidade presente da crítica, já de cara, é conduzida a um outro
tempo histórico (o Alto Renascimento), a uma outra temporalidade (Leonardo
d’Vinci), a um outro espaço (a Capela Sistina) e a obra Mãos de Deus. A arte em
seu valor ritualístico, de culto, de integração com uma dimensão sagrada da
realidade é reatualizada ou relida na arte na época da reprodutibilidade
técnica, provocando uma aproximação
espaço/temporal entre dois artistas contemporâneos.
De um lado, Vitor Lopes
manisfestando sua arte pela escultura, umas das manifestações artísticas mais
antigas, que expressavam uma grau elevadíssimo de arte na cultura grega, dada a
dificuldade e o trabalho lento e meticuloso de esculpir o mármore. Remeteu-me,
aos traços realistas, à ideia da perspectiva e proporcionalidade, à busca
incessante pela representação detalhada do corpo humano – a mulher, o pirata, o
homem duplicado, a caveira, a mão do homem na tentativa de alcançar outro
plano. Essa mão que liga o homem ao presente também pensando a escultura sob
outra perspectiva, outros materiais, outra realidade – a do tempo presente
olhando em retrospectiva ou projeção os 365 dias do ano com suas datas
festivas.
De outro lado, Rafael Se7,
manifestando-se por meio do grafite, arte contemporânea capaz de possibilitar
ao passante pelas ruas da cidade deslocar-se dos muros de concreto, construídos numa ótica do igual, conduzindo-o a uma perspectiva da beleza da diversidade,
das artes visuais humanizando e problematizando o mundo. Tirando as datas que o
grafite possibilitou pensar, remeteu-me sobretudo a capacidade da arte de
gerar estranheza ao ser humano, rompendo o estado anestético do homem no mundo
contemporâneo para o sinestético, em que a memória traz à tona o quanto a
ilusão criada pela ideia de progresso, modernidade, civilização numa ótica
linear de um tempo hegemônico provocou um desencantamento do mundo e
desrespeito à natureza, submetida assim como a condição humana do homem à luta
pelo capital. Mas, essa é uma das muitas perspectivas causadas pela exposição,
não é a única também dada as diversas temporalidades (alunos, professores,
anônimos) que forem assistir à exposição Entre Conversas e Agendas.
ESPAÇO 2: SHOPPING
Em meio a um espaço controlado de
“bem-estar”, o espaço do shopping extensão ou metamorfoseamento do espaço
público com segurança e controle, esbarro com a exposição Instalações
Itinerante Zerando a História dos Games, possibilitando descristalizar uma
ótica de práxis utilitarista de que o lúdico, o jogo, a criatividade não são
importantes na constituição do ser humano. Chama atenção a frase “Jogar
videogame é mais do que se divertir, é aprender a interagir e criar memórias
eternas.” Permitiu a esta crítica, neste tempo do agora, viajar num outro tempo
– o da infância – momento em que joguei muito Atari (River rade, come come,
etc.). Nesse caso, acompanhar a evolução histórica dos jogos possibilitou
irromper uma memória individual desta mulher adulta conduzida a uma
experiênciasdela criança. Foi bom ver jovens não só jogando mas criando seus
jogos e vivenciando diferentes temporalidades.
Num segundo momento, pausa para o
café para organizar todas as sensações e reflexões até aqui, e como estar no
tempo kairós implica estar no todo – o momento de leitura escolhida para o dia
aleatoriamente, deixa de ser aleatória quando o texto fala sobre "Os fundamentos
do conhecimento na vida cotidiana". Coincidência? Logo, “Comparadas à realidade
da vida cotidiana, as outras realidades aparecem como campos finitos de
significação, enclaves dentro da realidade dominante marcada por significados e
modos de experiência delimitados. (...) A experiência estética e religiosa é
rica em produzir transições desta espécie, na medida em que a arte e a religião
são produtores endêmicos de campos de significação.”
ESPAÇO 3: RUA
Pensando em campos de significação,
a rua é transformada de um espaço de trânsito em um espaço público de
interação, quando um evento acontece. A começar pela interação entre o comércio
fixo e o itinerante quando este toma o centro da rua, transformando em passagem
de pedestres as laterais da rua e a calçada. Permito-me trazer o seguinte campo
de significação - se compreendo a rua como espaço público de interação entre
diferentes sujeitos, o significante imperativo do verbo ver informa que é
preciso romper o olhar passageiro, a cegueira branca, a rotina para ver o Ser,
ou melhor, para promover a interação entre os diferentes sujeitos sociais passantes
ali.
No centro da rua, um palco 360º
com estrutura metalizada e telões, ao estilo de feiras cosmopolistas, traz uma
espécie de fractal em que infere para os mais atentos: o show não é só para um
lado, deve atingir a todos no sistema. E um espaço de socialização com mesas e
cadeiras para quem deseja assistir aos shows, aos passantes, saboreando a
gastronomia oferecida e as bebidas. Outros sentidos, nesse espaço/tempo estão
sendo sensibilizados – o paladar, o olfato e o ouvido. A música, arte que não
podemos tocar, mas que evoca uma série de memórias, traz uma mistura de soul,
pop, ritmos da brasilidade que se metamorfoseados no timbre de voz potente da
cantora, uma bela mulher negra com traços finos, tímida, caso pudesse ter o
olhar do outro para deslocar-se e perceber-se melhor, receberia a seguinte
mensagem: não sinta-se inibida pelo seu dom, em ser instrumento dessa arte
cuja voz é um potente veículo do divino. Aliás, traço cultural brasileiro
talvez, a falta de percepção da grandeza dessa arte e de que tudo faz parte do
show – o visual, o uso do espaço, a mensagem e os sentidos que se deseja
transmitir – pois um artista é um “veículo”.
Homem(ns) passa(m) the flash num misto de organização,
trabalho, preocupação, desejo que o melhor aconteça, ansiedade a reprimir o
emocional, talvez porque não seja prudente ou porque seja perigoso perder a razão,
o controle. Como se fosse possível estarmos no controle, não? O tempo mostra que não
temos o controle de nada, é preciso apenas deixar a vida fluir.
Chego ao final do trajeto com um flash de que é preciso escrever, dar
forma ao vivido, como se isso fosse possível. Ainda assim, o texto fica numa
espécie de nuvem, algum fractal da experiência ficou aqui registrado.
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