Páginas

06 maio 2019


QUATRO ESPAÇOS POR DIVERSAS TEMPORALIDADES

Se minha consciência é capaz de mover-se através de diferentes esferas da realidade, isso implica uma espécie de “choque”, parafraseando Berger, principalmente quando esta persona, que aqui vos fala, permite-se flanar pela cidade, diminuindo o ritmo e centrando o olhar para entrar na dimensão do tempo kairós, de percepção sinestética.

ESPAÇO 1: SESC

Nesse sentido, o ‘aqui’ do meu corpo, na temporalidade presente da crítica, já de cara, é conduzida a um outro tempo histórico (o Alto Renascimento), a uma outra temporalidade (Leonardo d’Vinci), a um outro espaço (a Capela Sistina) e a obra Mãos de Deus. A arte em seu valor ritualístico, de culto, de integração com uma dimensão sagrada da realidade é reatualizada ou relida na arte na época da reprodutibilidade técnica, provocando uma  aproximação espaço/temporal entre dois artistas contemporâneos.

De um lado, Vitor Lopes manisfestando sua arte pela escultura, umas das manifestações artísticas mais antigas, que expressavam uma grau elevadíssimo de arte na cultura grega, dada a dificuldade e o trabalho lento e meticuloso de esculpir o mármore. Remeteu-me, aos traços realistas, à ideia da perspectiva e proporcionalidade, à busca incessante pela representação detalhada do corpo humano – a mulher, o pirata, o homem duplicado, a caveira, a mão do homem na tentativa de alcançar outro plano. Essa mão que liga o homem ao presente também pensando a escultura sob outra perspectiva, outros materiais, outra realidade – a do tempo presente olhando em retrospectiva ou projeção os 365 dias do ano com suas datas festivas.

De outro lado, Rafael Se7, manifestando-se por meio do grafite, arte contemporânea capaz de possibilitar ao passante pelas ruas da cidade deslocar-se dos muros de concreto, construídos numa ótica do igual, conduzindo-o a uma perspectiva da beleza da diversidade, das artes visuais humanizando e problematizando o mundo. Tirando as datas que o grafite possibilitou pensar, remeteu-me sobretudo a capacidade da arte de gerar estranheza ao ser humano, rompendo o estado anestético do homem no mundo contemporâneo para o sinestético, em que a memória traz à tona o quanto a ilusão criada pela ideia de progresso, modernidade, civilização numa ótica linear de um tempo hegemônico provocou um desencantamento do mundo e desrespeito à natureza, submetida assim como a condição humana do homem à luta pelo capital. Mas, essa é uma das muitas perspectivas causadas pela exposição, não é a única também dada as diversas temporalidades (alunos, professores, anônimos) que forem assistir à exposição Entre Conversas e Agendas.

ESPAÇO 2: SHOPPING

Em meio a um espaço controlado de “bem-estar”, o espaço do shopping extensão ou metamorfoseamento do espaço público com segurança e controle, esbarro com a exposição Instalações Itinerante Zerando a História dos Games, possibilitando descristalizar uma ótica de práxis utilitarista de que o lúdico, o jogo, a criatividade não são importantes na constituição do ser humano. Chama atenção a frase “Jogar videogame é mais do que se divertir, é aprender a interagir e criar memórias eternas.” Permitiu a esta crítica, neste tempo do agora, viajar num outro tempo – o da infância – momento em que joguei muito Atari (River rade, come come, etc.). Nesse caso, acompanhar a evolução histórica dos jogos possibilitou irromper uma memória individual desta mulher adulta conduzida a uma experiênciasdela criança. Foi bom ver jovens não só jogando mas criando seus jogos e vivenciando diferentes temporalidades.

Num segundo momento, pausa para o café para organizar todas as sensações e reflexões até aqui, e como estar no tempo kairós implica estar no todo – o momento de leitura escolhida para o dia aleatoriamente, deixa de ser aleatória quando o texto fala sobre "Os fundamentos do conhecimento na vida cotidiana". Coincidência? Logo, “Comparadas à realidade da vida cotidiana, as outras realidades aparecem como campos finitos de significação, enclaves dentro da realidade dominante marcada por significados e modos de experiência delimitados. (...) A experiência estética e religiosa é rica em produzir transições desta espécie, na medida em que a arte e a religião são produtores endêmicos de campos de significação.”  

 ESPAÇO 3: RUA

Pensando em campos de significação, a rua é transformada de um espaço de trânsito em um espaço público de interação, quando um evento acontece. A começar pela interação entre o comércio fixo e o itinerante quando este toma o centro da rua, transformando em passagem de pedestres as laterais da rua e a calçada. Permito-me trazer o seguinte campo de significação - se compreendo a rua como espaço público de interação entre diferentes sujeitos, o significante imperativo do verbo ver informa que é preciso romper o olhar passageiro, a cegueira branca, a rotina para ver o Ser, ou melhor, para promover a interação entre os diferentes sujeitos sociais passantes ali.

No centro da rua, um palco 360º com estrutura metalizada e telões, ao estilo de feiras cosmopolistas, traz uma espécie de fractal em que infere para os mais atentos: o show não é só para um lado, deve atingir a todos no sistema. E um espaço de socialização com mesas e cadeiras para quem deseja assistir aos shows, aos passantes, saboreando a gastronomia oferecida e as bebidas. Outros sentidos, nesse espaço/tempo estão sendo sensibilizados – o paladar, o olfato e o ouvido. A música, arte que não podemos tocar, mas que evoca uma série de memórias, traz uma mistura de soul, pop, ritmos da brasilidade que se metamorfoseados no timbre de voz potente da cantora, uma bela mulher negra com traços finos, tímida, caso pudesse ter o olhar do outro para deslocar-se e perceber-se melhor, receberia a seguinte mensagem: não sinta-se inibida pelo seu dom, em ser instrumento dessa arte cuja voz é um potente veículo do divino. Aliás, traço cultural brasileiro talvez, a falta de percepção da grandeza dessa arte e de que tudo faz parte do show – o visual, o uso do espaço, a mensagem e os sentidos que se deseja transmitir – pois um artista é um “veículo”. 
Homem(ns) passa(m) the flash num misto de organização, trabalho, preocupação, desejo que o melhor aconteça, ansiedade a reprimir o emocional, talvez porque não seja prudente ou porque seja perigoso perder a razão, o controle. Como se fosse possível estarmos no controle, não? O tempo mostra que não temos o controle de nada, é preciso apenas deixar a vida fluir.

Chego ao final do trajeto com um flash de que é preciso escrever, dar forma ao vivido, como se isso fosse possível. Ainda assim, o texto fica numa espécie de nuvem, algum fractal da experiência ficou aqui registrado.