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20 junho 2019

PAUL KLEE EM 10 MOMENTOS


"Fico entre os mortos e os que nasceram. Neste mundo não conseguem me definir."
"A arte não reproduz o visível, ela torna visível."

Evidentemente, muitas coisas me marcaram na exposição do Paul Klee - Equilíbrio Instável -, mas creio que ambas as frases bem como o texto da seção 9 (Anjos e outras criaturas), me afetaram.
Primeiro, porque ter uma sensibilidade aguda, ser um artista (compreendo aqui como de qualquer tipo de manifestação artística) significa muitas vezes transitar por dimensões de realidade que rompem com a visão linear, cartesiana, de causa e efeito, pragmática que impera no mundo. Porque a criação, a inspiração emerge dessa ruptura.

Lembro do Cortázar quando falava que a realidade fantástica era algo com a qual convivia naturalmente diante das demais realidades. Lembro do Antônio Candido quando falava que somos seres fabulosos, que fabulamos 24 horas por dia e que nem nos damos conta disso. Lembrei de uma vez de uma vez que estava numa formação de arte e a professora perguntou aos cursistas o que era a arte para eles e quando chegou a minha vez de responder, lógico que a memória não me permite reproduzir com as mesmas palavras nem na íntegra, mas o que eu disse - e que de certa forma se comunica com a segunda frase também - foi mas ou menos assim:

A arte para mim está em tudo. Desde o momento em que acordo, na forma como me arrumo, como faço a comida, arrumo o prato, saboreio o alimento; arrumo a casa; a música que escuto que faz o meu dia feliz ou triste, dependendo de como me toca; em cada ser humano que vejo, com características peculiares que as torna singulares; a beleza da natureza; os animais; assistir ao nascer ou ao pôr do sol, às estrelas no céu e à lua: dar um mergulho no mar...

A professora olhor para mim e pediu que me dirigisse até o quadro e levantasse a página para ler o que estava escrito por baixo da folha - a palavra era Poiéses. É tudo isso que você colocou, querida!

Mergulhar na história de vida desse artista, passando pelos seus desenhos de infância, estudos da natureza, invenções, retratos de família, caminhos para a abstração, o mundo como palco, a vida como professor, o desenho da realidade, os anjos e outras criaturas e os trabalhos tardios, não só me fizeram compreender seu traço preciso característico e todo o esforço e trabalho empreendidos na arte dele, mas a cada obra um pedacinho da alma do artista me tocava profundamente de forma a me perder no tempo, "voltando" a dimensão cotidiana três horas após entrar na exposição.

E a seção dos Anjos, somada a todas essas sensações, me emocionou pelo desejo de escrever a minha história a contrapelo. Permito-me aqui não esclarecer essa fala, porque ela tem um sentido particular, mas sei que a dimensão dela é imensa para muitos que a entendem num contexto maior ( Walter Benjamin e o Anjo da história, de Klee).

Fico agradecida pelo presente. Essa exposição enriqueceu o meu dia, mas principalmente alimentou minha alma. Parabéns também à curadoria!



 





16 junho 2019

EQUILÍBRIO INSTÁVEL - PRIMEIRO TEMPO

Sabe quando se está naquele estado de despertar sonolento, com o corpo lento meio adormecido e, de repente, de forma educada, ouve um homem pedir aos passageiros ( e você é um deles) que se deitem no chão do ônibus, pois a polícia está em choque com bandidos?

Um silêncio misto de tensão invade o ônibus, algumas senhoras choram em seu pânico diante da situação, alguns pegam os celulares para avisar aos familiares da situação, outros olham curiosos para entender o que está acontecendo... Eu envio uma mensagem para minha irmã e uma amiga a fim de que saibam onde estou e se no caso de acontecer algo, saibam como me encontrar.

Talvez o estado sonolento tenha servido como "anestésico" para não entrar no clima de pânico instalado em alguns. O fato é que estava ali e não estava, observava e sentia que nada iria acontecer de grave.

Passado o "incidente", seguimos caminho e não deixava de pensar: como seria viver diariamente nesse estado de choque? Com a violência a bater na porta. Como psicologicamente os policiais e seus familiares convivem com essa realidade dia a dia? Como pessoas, trabalhadores, jovens, idosos, mulheres, crianças que vivem em comunidades carentes ficam, principalmente, quando o estado de exceção é o real? Há algum tempo estudo o estado de exceção, mas nunca havia sentido o que é ter o seu direito de ir e vir, de viver, ser retirado. E para essas pessoas, moradoras dessas comunidades, isso é a norma.

A chegada ao centro me fez alterar a rota planejada, gostaria de romper o cotidiano com algo que realmente fizesse sentido, fosse significativo para mim, então, se não era estar com aqueles que eu amo, deveria me aproximar de como vejo a vida - fui à exposição do Paul Klee.

Fazer a imersão na história de vida deste artista, vivenciar como gradativamente ele foi desenvolvendo técnicas de pintura, de desenho, fazer a imersão no sentimento dele, à medida que pairava minutos observando sua arte. Eh! Porque um pedacinho da alma do artista fica registrada em sua arte, me fizeram continuar nesse estado sonolento, em que as horas se passaram e só percebi o tempo cronológico um bom tempo após. Mas continuo a traduzir essa experiência no próximo texto.