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19 fevereiro 2022

Como a atual aceleração da sociedade cria a sensação de que não há tempo para nada?

 

A questão proposta no título traduz a reflexão proposta por Olgária Matos em Tempo e experiência em Benjamin. Para tal reflexão, a filósofa retoma no fio da memória, como narradora tradicional, o valor de culto de obras de arte, a história e as narrativas tradicionais da história da humanidade paralelamente aos fragmentos da questão mor que deseja responder.

O caminho a ser percorrido começa inspirado pela compreensão do que significa a experiência do tempo na contemporaneidade (chamada por ela de patologia do tempo) e o que significa experiência? Erfharung ou Erlebnis. Assim, para compreender o tempo na cidade moderna, entender o conceito de experiência e de perda da experiência é fundamental, porque no presente, dado a contração do tempo, a experiência foi abolida. Na verdade, a relação do presente com o passado que se fazia mediada pela tradição (ex.: os provérbios, fábulas, histórias narradas coletivamente), logo, tecidas num tempo artesanal, cíclico, da natureza, foi abolida. 

Vale ressaltar que tradição, nesse caso, não significa atraso como a ideia de progresso vêm vincular; significa dizer que essas narrativas de sentido exemplar, uma série de ensinamentos transmitidos de geração para geração, capazes de nos orientar na vida e no pensamento, foram extintas na sociedade do capitalismo tardio. Nesse momento, o direito à essa tradição, que singulariza isso é dado na primeira parada:

Parada 1: “A uma passante”, de Baudelaire, e “A Fábula de Esopo”, presente em Experiência e Pobreza, de Walter Benjamin.

Seguindo a rota, é necessário destacar Qual a diferença entre o tédio e a monotonia? E o que poderíamos dizer sobre o tempo na contemporaneidade? É um tempo sem experiência, preenchido pelo vazio, tempo de uma patologia de valores. Estamos imersos nesse tempo vazio, do devir, que de acordo com Walter Benjamin tem sua data de início marcada pela primeira exposição universal em Paris (1855), quando as galerias, grandes construções de ferro e vidro, e as mercadorias se expuseram como fetiche, iniciando uma nova forma de culto profano. E fortalecendo a construção de uma sociedade em que o Estado de exceção é a norma e a perda da liberdade e da imaginação, seus efeitos, pois a ideia de democracia ligada a valores coletivos caiu com o apagamento da memória. Nas palavras da filósofa “se algo pode ser lembrado, pode ser contestado, se não tenho memória nada é contestado”. Para essa passagem, há direito a segunda parada:

Parada 2: “A melancolia”, de Dürer, e “Spleen et Ideal”, de Baudelaire.

E, por fim, triste realidade a nossa, a hipótese levantada por Olgária é a de que esse tempo vazio traz efeitos patológicos, como: as drogas, as guerras... Lembrei-me aqui de outra estudiosa de Benjamin, Maria Rita Kehl que diria que a depressão é o sintoma social contemporâneo, causado por essa perda de sentido da experiência. Permito-me assim transformar uma afirmativa de Olgária numa indagação que dialoga com percepções de Kehl no livro O tempo e o cão: Se o tempo qualitativo é um tempo que é preenchido por ações, pensamentos e sensibilidades com significação, por isso, a importância da experiência (Erfharung); caminhar na contramão disso tudo não implicaria criar espaços/tempo de convivência consigo e com os seus? Chegamos à parada final.

Parada 3: Viagem à Ítaca, de Kaváfis.

Essa narrativa exemplar desse poeta grego, vale-se da viagem arquetípica de Ulisses, segundo Olga, “fala da experiência, que é a possibilidade de nós reavermos os mundos e os sentidos da nossa vida, para que o tempo volte a ser qualitativo e nós possamos compreender o sentido de nossas ações e possamos nos desenvolvermos com a experiência”. 

A palestra dada por Olgária Matos não só nos permite reviver discussões tão caras à Walter Benjamin, mas também rever ou ter um primeiro encontro para alguns, quem sabe, com manifestações artísticas singulares, reafirmando o nosso direito à arte, à literatura e à vida digna.


Referência Bibliográfica: 

Tempo e experiência em Benjamin, com Olgária Matos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pVXl6c_MiAM (tempo 52:00)