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19 fevereiro 2022

Como a atual aceleração da sociedade cria a sensação de que não há tempo para nada?

 

A questão proposta no título traduz a reflexão proposta por Olgária Matos em Tempo e experiência em Benjamin. Para tal reflexão, a filósofa retoma no fio da memória, como narradora tradicional, o valor de culto de obras de arte, a história e as narrativas tradicionais da história da humanidade paralelamente aos fragmentos da questão mor que deseja responder.

O caminho a ser percorrido começa inspirado pela compreensão do que significa a experiência do tempo na contemporaneidade (chamada por ela de patologia do tempo) e o que significa experiência? Erfharung ou Erlebnis. Assim, para compreender o tempo na cidade moderna, entender o conceito de experiência e de perda da experiência é fundamental, porque no presente, dado a contração do tempo, a experiência foi abolida. Na verdade, a relação do presente com o passado que se fazia mediada pela tradição (ex.: os provérbios, fábulas, histórias narradas coletivamente), logo, tecidas num tempo artesanal, cíclico, da natureza, foi abolida. 

Vale ressaltar que tradição, nesse caso, não significa atraso como a ideia de progresso vêm vincular; significa dizer que essas narrativas de sentido exemplar, uma série de ensinamentos transmitidos de geração para geração, capazes de nos orientar na vida e no pensamento, foram extintas na sociedade do capitalismo tardio. Nesse momento, o direito à essa tradição, que singulariza isso é dado na primeira parada:

Parada 1: “A uma passante”, de Baudelaire, e “A Fábula de Esopo”, presente em Experiência e Pobreza, de Walter Benjamin.

Seguindo a rota, é necessário destacar Qual a diferença entre o tédio e a monotonia? E o que poderíamos dizer sobre o tempo na contemporaneidade? É um tempo sem experiência, preenchido pelo vazio, tempo de uma patologia de valores. Estamos imersos nesse tempo vazio, do devir, que de acordo com Walter Benjamin tem sua data de início marcada pela primeira exposição universal em Paris (1855), quando as galerias, grandes construções de ferro e vidro, e as mercadorias se expuseram como fetiche, iniciando uma nova forma de culto profano. E fortalecendo a construção de uma sociedade em que o Estado de exceção é a norma e a perda da liberdade e da imaginação, seus efeitos, pois a ideia de democracia ligada a valores coletivos caiu com o apagamento da memória. Nas palavras da filósofa “se algo pode ser lembrado, pode ser contestado, se não tenho memória nada é contestado”. Para essa passagem, há direito a segunda parada:

Parada 2: “A melancolia”, de Dürer, e “Spleen et Ideal”, de Baudelaire.

E, por fim, triste realidade a nossa, a hipótese levantada por Olgária é a de que esse tempo vazio traz efeitos patológicos, como: as drogas, as guerras... Lembrei-me aqui de outra estudiosa de Benjamin, Maria Rita Kehl que diria que a depressão é o sintoma social contemporâneo, causado por essa perda de sentido da experiência. Permito-me assim transformar uma afirmativa de Olgária numa indagação que dialoga com percepções de Kehl no livro O tempo e o cão: Se o tempo qualitativo é um tempo que é preenchido por ações, pensamentos e sensibilidades com significação, por isso, a importância da experiência (Erfharung); caminhar na contramão disso tudo não implicaria criar espaços/tempo de convivência consigo e com os seus? Chegamos à parada final.

Parada 3: Viagem à Ítaca, de Kaváfis.

Essa narrativa exemplar desse poeta grego, vale-se da viagem arquetípica de Ulisses, segundo Olga, “fala da experiência, que é a possibilidade de nós reavermos os mundos e os sentidos da nossa vida, para que o tempo volte a ser qualitativo e nós possamos compreender o sentido de nossas ações e possamos nos desenvolvermos com a experiência”. 

A palestra dada por Olgária Matos não só nos permite reviver discussões tão caras à Walter Benjamin, mas também rever ou ter um primeiro encontro para alguns, quem sabe, com manifestações artísticas singulares, reafirmando o nosso direito à arte, à literatura e à vida digna.


Referência Bibliográfica: 

Tempo e experiência em Benjamin, com Olgária Matos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pVXl6c_MiAM (tempo 52:00)


24 junho 2021

A construção dos modos de ser e estar na sociedade capitalista

Há autores que impactam o nosso modo de compreender a realidade de tal forma que acabam por tornar-se uma sorte de companhia necessária, se não durante algumas fases de nossa vida, desde sempre. Como aqueles amigos verdadeiros que mesmo no afastamento necessário provocado pelo destino, quando retomado o contato, é como se o tempo não tivesse passado, tivesse apenas estado em suspenso, e sua presença é ainda mais marcante bem como as afinidades.

O mesmo se dá com a leitura de clássicos, cada vez que retomo a leitura de um é como se uma nova camada da realidade submersa no texto e imperceptível até então se vislumbrasse para a versão de mim mesma no presente, que carrega consigo quem fui no passado, mas não só, já não é a mesma graças às experiências acumuladas, o conhecimento de mundo adquirido. Este semestre tem me movido nessa série de (re)encontros, oportunizados pela (re)leitura de Walter Benjamin e de Adorno, teóricos da Escola de Frankfurt, extremamente importantes para minha formação no passado e, com certeza, no presente não tem sido diferente. Difícil não nos deixar afetar. O que reforça a atualidade da teoria crítica de ambos e a potência dessa narrativa devido ao deslocamento provocado por essa leitura.

Iria mais adiante um pouco, a garantia do acesso à leitura é imprescindível numa sociedade dita democrática, ainda mais quando esse acesso se dá via diferentes representatividades, capazes de potencializar a transmissão de determinado patrimônio cultural para grupos, cuja voz ao longo da história veio sendo "apagada".
  
A natural intertextualidade, interdiscursividade e dialogicidade permitem caminhar entre as fissuras, ensinando a sociedade o acolhimento de suas memórias. Temos então as seguintes cenas: de um lado, em primeiro plano duas personagens jogando monopólio, presente típico de uma data festiva como o Natal, principalmente, dos jovens na década de 80 e 90, por exemplo; ao fundo delas, o cenário composto por  uma árvore de Natal (um cacto), enfeitada com bolas e carinhas; à medida que jogam, o diálogo de ambas faz referência a um determinado contexto sócio-político brasileiro e a figuras políticas conhecidas.

De outro lado, em primeiro plano, um jovem negro, de aproximadamente 21 anos, tatuado, vestido de funkeiro, situado e envolto num espaço organizado com muuitos livros, com imagens representativas das ciências sociais; atrás dele, a direita do telespectador, a placa da rua Marielle Franco e, abaixo dela, uma pequena estátua do Cristo Redentor. 

Se fosse criar uma questão aglutinadora, capaz de provocar o que os vídeos vêm problematizar, seria: Como determinadas brincadeiras e determinados filmes contemporâneos podem impactar na construção dos nossos modos de estar no mundo e de encarar a vida?

A visualização e a resposta a essa questão, a qual não pretendo formular aqui, aparece de forma performática, clara, didática, criativa, reflexiva nos vídeos Rita von Hunt - Adorno e a indústria da cultura - e Chavoso da USP: a indústria cultural e o mito de que o passado era melhor. 

No primeiro, Guilherme Pereira, “o professor, ator, youtuber, comediante e drag queen brasileiro", além de clarificar o quanto vivemos numa cultura doente e o quanto Adorno é fundamental para percebermos “a manufatura dos nossos desejos”; inspira e instiga o público a buscar a leitura de clássicos, como: A indústria cultural e A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, textos mencionados durante a performance, e constrói outra representatividade para as drags, através da performance realizada por Rita von Hunt, caminhando na contramão de estigmatizações costumeiras a essa comunidade.

No segundo, Thiago Torres, jovem, youtuber, nascido e criado em Brasilândia, no extremo norte da capital paulista, estudante da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) desde 2018, promove o trânsito entre dois mundos/espaços: o do “privilégio, conhecimento, cheio de pessoas ditas importantes, de famílias importantes” e o da “quebrada onde as pessoas são trabalhadores”, que mantém a cidade de pé, sendo “ignorados” constantemente; também rompe estigmas com o seu Chavoso da USP, não só por levar o conhecimento e inspirar jovens da periferia a lerem clássicos, assistirem outros youtubers com representatividade das minorias, mas também por representá-los sob outra perspectiva, dentro da universidade.

Ambos os vídeos não só apresentam como através das brincadeiras e dos filmes/séries modos de ser e estar no mundo vão sendo naturalizados no inconsciente coletivo, como também esclarecem o que é a indústria cultural. No que diz respeito às brincadeiras, Rita von Hunt aborda como jogos (Banco Imobiliário, Wars, Comandos em ação, Forte Apache, Soldadinhos de chumbo...) naturalizados nas brincadeiras do dia a dia servem para forjar, treinar as crianças e os jovens para o mundo “violento, capitalista, de espólio, de expropriação e de fazer dinheiro sem nenhum tipo de escrúpulo”. E no que tange a determinados filmes/séries, como moldam nossas subjetividades de maneira intencional, produzindo visões distorcidas da realidade, com o intuito de fortalecer perspectivas  que deseja que sejam adotadas pelo público. Aqui, nesse caso, vale frisar a importância em compreender a diferença entre história e memória, categorias esclarecidas por Chavoso da USP, tão confundidas e deturpadas na memória brasileira. 

Vale a pena assisti-los! Deixo abaixo os links dos vídeos e a referência dos clássicos que os inspiraram.

Referências Bibliográficas:

BENJAMIN, W. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e histórica da cultura. 7ª ed. Obras escolhidas, volume 1. São Paulo: Brasiliense, 1994. (

Chavoso da USP: a indústria cultural e o mito de que o passado era melhor. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XIZXJ-KyaL0 (tempo 29:39). Acesso em: mar./2021

HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. A indústria cultural. In.: Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

Rita von Hunt - Adorno e a indústria da cultura. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=F98LqQt0Rd8&list=RDCMUCZdJE8KpuFm6NRafHTEIC-g&index=7 (tempo 12:58) Acesso em: mar./2021

  







20 junho 2019

PAUL KLEE EM 10 MOMENTOS


"Fico entre os mortos e os que nasceram. Neste mundo não conseguem me definir."
"A arte não reproduz o visível, ela torna visível."

Evidentemente, muitas coisas me marcaram na exposição do Paul Klee - Equilíbrio Instável -, mas creio que ambas as frases bem como o texto da seção 9 (Anjos e outras criaturas), me afetaram.
Primeiro, porque ter uma sensibilidade aguda, ser um artista (compreendo aqui como de qualquer tipo de manifestação artística) significa muitas vezes transitar por dimensões de realidade que rompem com a visão linear, cartesiana, de causa e efeito, pragmática que impera no mundo. Porque a criação, a inspiração emerge dessa ruptura.

Lembro do Cortázar quando falava que a realidade fantástica era algo com a qual convivia naturalmente diante das demais realidades. Lembro do Antônio Candido quando falava que somos seres fabulosos, que fabulamos 24 horas por dia e que nem nos damos conta disso. Lembrei de uma vez de uma vez que estava numa formação de arte e a professora perguntou aos cursistas o que era a arte para eles e quando chegou a minha vez de responder, lógico que a memória não me permite reproduzir com as mesmas palavras nem na íntegra, mas o que eu disse - e que de certa forma se comunica com a segunda frase também - foi mas ou menos assim:

A arte para mim está em tudo. Desde o momento em que acordo, na forma como me arrumo, como faço a comida, arrumo o prato, saboreio o alimento; arrumo a casa; a música que escuto que faz o meu dia feliz ou triste, dependendo de como me toca; em cada ser humano que vejo, com características peculiares que as torna singulares; a beleza da natureza; os animais; assistir ao nascer ou ao pôr do sol, às estrelas no céu e à lua: dar um mergulho no mar...

A professora olhor para mim e pediu que me dirigisse até o quadro e levantasse a página para ler o que estava escrito por baixo da folha - a palavra era Poiéses. É tudo isso que você colocou, querida!

Mergulhar na história de vida desse artista, passando pelos seus desenhos de infância, estudos da natureza, invenções, retratos de família, caminhos para a abstração, o mundo como palco, a vida como professor, o desenho da realidade, os anjos e outras criaturas e os trabalhos tardios, não só me fizeram compreender seu traço preciso característico e todo o esforço e trabalho empreendidos na arte dele, mas a cada obra um pedacinho da alma do artista me tocava profundamente de forma a me perder no tempo, "voltando" a dimensão cotidiana três horas após entrar na exposição.

E a seção dos Anjos, somada a todas essas sensações, me emocionou pelo desejo de escrever a minha história a contrapelo. Permito-me aqui não esclarecer essa fala, porque ela tem um sentido particular, mas sei que a dimensão dela é imensa para muitos que a entendem num contexto maior ( Walter Benjamin e o Anjo da história, de Klee).

Fico agradecida pelo presente. Essa exposição enriqueceu o meu dia, mas principalmente alimentou minha alma. Parabéns também à curadoria!



 





16 junho 2019

EQUILÍBRIO INSTÁVEL - PRIMEIRO TEMPO

Sabe quando se está naquele estado de despertar sonolento, com o corpo lento meio adormecido e, de repente, de forma educada, ouve um homem pedir aos passageiros ( e você é um deles) que se deitem no chão do ônibus, pois a polícia está em choque com bandidos?

Um silêncio misto de tensão invade o ônibus, algumas senhoras choram em seu pânico diante da situação, alguns pegam os celulares para avisar aos familiares da situação, outros olham curiosos para entender o que está acontecendo... Eu envio uma mensagem para minha irmã e uma amiga a fim de que saibam onde estou e se no caso de acontecer algo, saibam como me encontrar.

Talvez o estado sonolento tenha servido como "anestésico" para não entrar no clima de pânico instalado em alguns. O fato é que estava ali e não estava, observava e sentia que nada iria acontecer de grave.

Passado o "incidente", seguimos caminho e não deixava de pensar: como seria viver diariamente nesse estado de choque? Com a violência a bater na porta. Como psicologicamente os policiais e seus familiares convivem com essa realidade dia a dia? Como pessoas, trabalhadores, jovens, idosos, mulheres, crianças que vivem em comunidades carentes ficam, principalmente, quando o estado de exceção é o real? Há algum tempo estudo o estado de exceção, mas nunca havia sentido o que é ter o seu direito de ir e vir, de viver, ser retirado. E para essas pessoas, moradoras dessas comunidades, isso é a norma.

A chegada ao centro me fez alterar a rota planejada, gostaria de romper o cotidiano com algo que realmente fizesse sentido, fosse significativo para mim, então, se não era estar com aqueles que eu amo, deveria me aproximar de como vejo a vida - fui à exposição do Paul Klee.

Fazer a imersão na história de vida deste artista, vivenciar como gradativamente ele foi desenvolvendo técnicas de pintura, de desenho, fazer a imersão no sentimento dele, à medida que pairava minutos observando sua arte. Eh! Porque um pedacinho da alma do artista fica registrada em sua arte, me fizeram continuar nesse estado sonolento, em que as horas se passaram e só percebi o tempo cronológico um bom tempo após. Mas continuo a traduzir essa experiência no próximo texto.

06 maio 2019


QUATRO ESPAÇOS POR DIVERSAS TEMPORALIDADES

Se minha consciência é capaz de mover-se através de diferentes esferas da realidade, isso implica uma espécie de “choque”, parafraseando Berger, principalmente quando esta persona, que aqui vos fala, permite-se flanar pela cidade, diminuindo o ritmo e centrando o olhar para entrar na dimensão do tempo kairós, de percepção sinestética.

ESPAÇO 1: SESC

Nesse sentido, o ‘aqui’ do meu corpo, na temporalidade presente da crítica, já de cara, é conduzida a um outro tempo histórico (o Alto Renascimento), a uma outra temporalidade (Leonardo d’Vinci), a um outro espaço (a Capela Sistina) e a obra Mãos de Deus. A arte em seu valor ritualístico, de culto, de integração com uma dimensão sagrada da realidade é reatualizada ou relida na arte na época da reprodutibilidade técnica, provocando uma  aproximação espaço/temporal entre dois artistas contemporâneos.

De um lado, Vitor Lopes manisfestando sua arte pela escultura, umas das manifestações artísticas mais antigas, que expressavam uma grau elevadíssimo de arte na cultura grega, dada a dificuldade e o trabalho lento e meticuloso de esculpir o mármore. Remeteu-me, aos traços realistas, à ideia da perspectiva e proporcionalidade, à busca incessante pela representação detalhada do corpo humano – a mulher, o pirata, o homem duplicado, a caveira, a mão do homem na tentativa de alcançar outro plano. Essa mão que liga o homem ao presente também pensando a escultura sob outra perspectiva, outros materiais, outra realidade – a do tempo presente olhando em retrospectiva ou projeção os 365 dias do ano com suas datas festivas.

De outro lado, Rafael Se7, manifestando-se por meio do grafite, arte contemporânea capaz de possibilitar ao passante pelas ruas da cidade deslocar-se dos muros de concreto, construídos numa ótica do igual, conduzindo-o a uma perspectiva da beleza da diversidade, das artes visuais humanizando e problematizando o mundo. Tirando as datas que o grafite possibilitou pensar, remeteu-me sobretudo a capacidade da arte de gerar estranheza ao ser humano, rompendo o estado anestético do homem no mundo contemporâneo para o sinestético, em que a memória traz à tona o quanto a ilusão criada pela ideia de progresso, modernidade, civilização numa ótica linear de um tempo hegemônico provocou um desencantamento do mundo e desrespeito à natureza, submetida assim como a condição humana do homem à luta pelo capital. Mas, essa é uma das muitas perspectivas causadas pela exposição, não é a única também dada as diversas temporalidades (alunos, professores, anônimos) que forem assistir à exposição Entre Conversas e Agendas.

ESPAÇO 2: SHOPPING

Em meio a um espaço controlado de “bem-estar”, o espaço do shopping extensão ou metamorfoseamento do espaço público com segurança e controle, esbarro com a exposição Instalações Itinerante Zerando a História dos Games, possibilitando descristalizar uma ótica de práxis utilitarista de que o lúdico, o jogo, a criatividade não são importantes na constituição do ser humano. Chama atenção a frase “Jogar videogame é mais do que se divertir, é aprender a interagir e criar memórias eternas.” Permitiu a esta crítica, neste tempo do agora, viajar num outro tempo – o da infância – momento em que joguei muito Atari (River rade, come come, etc.). Nesse caso, acompanhar a evolução histórica dos jogos possibilitou irromper uma memória individual desta mulher adulta conduzida a uma experiênciasdela criança. Foi bom ver jovens não só jogando mas criando seus jogos e vivenciando diferentes temporalidades.

Num segundo momento, pausa para o café para organizar todas as sensações e reflexões até aqui, e como estar no tempo kairós implica estar no todo – o momento de leitura escolhida para o dia aleatoriamente, deixa de ser aleatória quando o texto fala sobre "Os fundamentos do conhecimento na vida cotidiana". Coincidência? Logo, “Comparadas à realidade da vida cotidiana, as outras realidades aparecem como campos finitos de significação, enclaves dentro da realidade dominante marcada por significados e modos de experiência delimitados. (...) A experiência estética e religiosa é rica em produzir transições desta espécie, na medida em que a arte e a religião são produtores endêmicos de campos de significação.”  

 ESPAÇO 3: RUA

Pensando em campos de significação, a rua é transformada de um espaço de trânsito em um espaço público de interação, quando um evento acontece. A começar pela interação entre o comércio fixo e o itinerante quando este toma o centro da rua, transformando em passagem de pedestres as laterais da rua e a calçada. Permito-me trazer o seguinte campo de significação - se compreendo a rua como espaço público de interação entre diferentes sujeitos, o significante imperativo do verbo ver informa que é preciso romper o olhar passageiro, a cegueira branca, a rotina para ver o Ser, ou melhor, para promover a interação entre os diferentes sujeitos sociais passantes ali.

No centro da rua, um palco 360º com estrutura metalizada e telões, ao estilo de feiras cosmopolistas, traz uma espécie de fractal em que infere para os mais atentos: o show não é só para um lado, deve atingir a todos no sistema. E um espaço de socialização com mesas e cadeiras para quem deseja assistir aos shows, aos passantes, saboreando a gastronomia oferecida e as bebidas. Outros sentidos, nesse espaço/tempo estão sendo sensibilizados – o paladar, o olfato e o ouvido. A música, arte que não podemos tocar, mas que evoca uma série de memórias, traz uma mistura de soul, pop, ritmos da brasilidade que se metamorfoseados no timbre de voz potente da cantora, uma bela mulher negra com traços finos, tímida, caso pudesse ter o olhar do outro para deslocar-se e perceber-se melhor, receberia a seguinte mensagem: não sinta-se inibida pelo seu dom, em ser instrumento dessa arte cuja voz é um potente veículo do divino. Aliás, traço cultural brasileiro talvez, a falta de percepção da grandeza dessa arte e de que tudo faz parte do show – o visual, o uso do espaço, a mensagem e os sentidos que se deseja transmitir – pois um artista é um “veículo”. 
Homem(ns) passa(m) the flash num misto de organização, trabalho, preocupação, desejo que o melhor aconteça, ansiedade a reprimir o emocional, talvez porque não seja prudente ou porque seja perigoso perder a razão, o controle. Como se fosse possível estarmos no controle, não? O tempo mostra que não temos o controle de nada, é preciso apenas deixar a vida fluir.

Chego ao final do trajeto com um flash de que é preciso escrever, dar forma ao vivido, como se isso fosse possível. Ainda assim, o texto fica numa espécie de nuvem, algum fractal da experiência ficou aqui registrado.

21 novembro 2015

Ordens de ajuda na educação: uma intervenção a se pensar?


          Vivemos uma vida acreditando que a ajuda não tem limites. A ideia de doar-se, ajudar ao próximo são construídas desde de nossa infância com esse sentido. Contudo, nessa breve reflexão busco referência para pensar sobre o assunto na visão de Bert Hellinger.
           Segundo Hellinger, ajudar é uma arte e , dessa forma, ela pode ser aprendida e praticada. Aqui, no caso, o olhar volta-se para quem precisa de ajuda , ou seja, implica desenvolver uma sensibilidade para entender aquele que procura ajuda, compreendendo assim aquilo que lhe é adequado, a ajuda necessária para erguê-lo acima de si mesmo ou para algo mais abrangente. Do contrário, não será ajuda.
           Nas palavras de Hellinger: Nós, seres humanos, dependemos, sob todos os aspectos, da ajuda de outros. Só assim podemos nos desenvolver. Ao mesmo tempo, precisamos também ajudar outros. Aquele de quem não se necessita, aquele que não pode ajudar outros, fica só e definha. A ajuda serve, portanto, não somente aos outros, mas também a nós mesmos. *(Hellinger,B., p.13) Assim, há dois níveis de ajuda, o que ele chama de o dar e o tomar acontece, primeiro entre pessoas equiparadas (parceiros), permanece no mesmo nível e exige reciprocidade; o segundo, entre superiores e necessitados (pais e filhos, por exemplo), há um desnível. Este último é como um rio que leva adiante o que recebe de si.
            Ao usar a imagem do rio que corre, a ajuda pressupõe que precisamos receber e tomar primeiro de nossos pais para que possamos passá-la adiante, pois só assim teremos as necessidade e a força de ajudar outros. Ao mesmo tempo, retomo a ideia de limite na ajuda que coloquei acima para colocar que ajudar implica que aqueles que queremos ajudar "também necessitam e desejam aquilo que podemos e queremos dar a eles. Caso contrário, a nossa ajuda se perde no vazio. Separa, ao invés de unir." (p.14)
             A relação entre professores e alunos se encaixaria no segundo nível de ajuda. Aí, lanço uma reflexão para esse momento de crise na educação mundial: Será que o professor está doando o que é adequado e necessário ao aluno? Será que o docente, no sistema escolar, está ocupando realmente essa posição de 'superior' e o aluno, a de 'necessitado', o que seria o adequado? Ou essa ordem está invertida?
            Nesse sentido, pensar numa educação capaz de atender às necessidades do século XXI e do jovem contemporâneo não implicaria uma tentativa de rever essa relação de ajuda?
              Minha resposta é não, o professor não está doando o que é adequado e necessário ao aluno. A sociedade inverteu a posição do docente no sistema, um dos fatores geradores do desequilíbrio que presenciamos nas relações de ambos. Logo, sim, essa ordem está invertida, por vezes. Digo, por vezes, por que sim, há uma crise de sentido no que diz respeito a função do professor.
             Garantir o sucesso na educação de nossos jovens significa reconduzir o professor ao seu lugar dentro do sistema, não só o conscientizando mas também a sociedade da importância dele, do que ele pode e até onde ele pode ajudar esse jovem. O professor não é o "salvador" sozinho.
             Um bom começo seria o respeito à dignidade desse profissional, dando-lhe o status merecido, sem os tão conhecidos discursos ilusórios.

* HELLINGER, Bert. Ordens da Ajuda. Atman Editora.  

06 novembro 2015

Sintonia

Como olhar a natureza e não se emocionar? A sensibilidade grita o doce som do amor que anda solto no ar, aguardando o sim da humanidade para a felicidade inerente à cada ser. Desejosa de vir à tona, porém sufocada pelas dificuldades em perdoar, desapegar-se, seguir rumo a própria essência, aguarda brincando com as brumas. É preciso sintonizar-se.