Páginas

07 setembro 2013

          ESSA LINHA TÊNUE ENTRE O FANTÁSTICO E/OU A(S) REALIDADE(S)

           Há aqueles momentos em que tomados por algo maior, percebemos o mundo por um outro olhar, o qual nos é estranho mas também nos é natural. Olhar o mundo por uma lente translúcida, uma que nos permite ver outras nuances daquilo a que compreendemos como realidade. Se há uma única realidade? A história já nos mostrou que ela se encontra toda fragmentada e como individualidades, fragmentos de uma totalidade, criamos e a recriamos por meio de nossas experiências.
          Desde pequena sempre tive um fascínio pelo mundo das histórias, dos contos de fadas, de duendes, de fada, de Blumas de Avalon, histórias de mulheres cuja experiência da integração com a mãe natureza, com o seu corpo, com os animais e consigo mesmas eram vistas como algo perfeitamente natural. O tempo vai passando, as crenças, os tabus, a escola, os "mestres" vão moldando-nos e deixando pra traz essa linha tênue, que enquanto crianças mantemos com a outra dimensão - o fantástico e a realidade.
          O encantamento com os espelhos, vistos como portais; os prismas, a refratar a luz do sol; os sinos, batendo ao vento; os incensos, trazendo o perfume da natureza pro ambiente; as fontes, trazendo o som das águas; os véus, e a transparência das cortinas, e os cristais, e os vidros secos ou molhados pela chuva, com seu efeito de transparência mostrando o outro lado; todos são mais do que afinidades de minha alma. Denotam, na verdade, um jeito de SER, de SENTIR e de OLHAR diferente o mundo. E, por vezes, esse JEITO é tão mal interpretado. 
         Somente hoje me dei conta dessas afinidades, a partir da leitura da entrevista de Júlio Cortázar a Omar Prego, quando o escritor explicava o universo de criação de seus contos. A fala que me marcou segue:  Por isso é que escrevi um texto onde resenho o fascínio que senti, desde muito pequeno, por tudo que é transparente, os cristais, os vidros, e que continuam me fascinando, porque o fenômeno da transparência e o fato de que a visão possa atravessar uma superfície opaca, uma superfície material como o cristal, continua me parecendo um convite a ver naquela matéria outras coisas que normalmente, habitualmente, não vemos. Desde muito pequeno, os óculos, os vidros dos óculos, me parecem fascinantes.
          Fica aqui a homenagem a um escritor que faz parte das minhas identidades, de minhas afinidades eletivas, a descoberta que transcende a identidade com a obra; mas, agora, a identidade com o ser humano Júlio Cortázar. A cada trecho da entrevista surge a admiração pela sensibilidade do homem, ou melhor, da alma JC. E numa sorte de Sherazade que precisa contar as suas estórias de Mil e uma noites, porque precisa vencer a morte, porque não quer calar, a fim de vencer as redes que nos amarram e nos impedem, essa rede despregada; volto a escrever meus contos, meus ensaios, meus diários, como há muito já não o fazia, talvez, pela tristeza que sentia na alma, por se sentir uma estranha no ninho, ou por não ser compreendida. A necessidade de trazer a tona as imagens formadas no interior saltitantes de se expressarem, de trazer a alma pra fora, volta agora. Obrigada, pois os limites tênues do fantástico e da realidade presentes na alma da criança, presentes na alma dos românticos, voltaram a dar vasão a minha escrita.