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26 fevereiro 2012

É preciso integrar as diferenças.

A maneira como as relações sociais são estabelecidas e delimitadas em nosso mundo, sem dúvida, geram uma série de consequências para a nossa sociedade. Nesse sentido, é possível pensar as formas de interação diárias, ou seja, as formas como os diferentes grupos se relacionam, a qual grupo pertencemos, como esses grupos influenciam em nosso comportamento. Essa discussão é assunto de várias áreas, mas buscaremos respaldo na sociologia, a fim de iniciarmos uma das questões foco de nosso blog: as interações e as integrações das diferenças. Logo, esse ensaio busca refletir essas questões através do texto Observação e sustentação de nossas vidas , de Zygmunt Bauman.
            Segundo o sociólogo, o modo como conduzimos a nossa vida e as escolhas que podemos ou não fazer resultam de uma série de interações que estabelecemos, diariamente, seja direta ou indiretamente, estejamos conscientes ou não delas. Há aquelas relações contemporâneas, ou seja, aquele número grandioso de pessoas com as quais interagimos, diariamente, indiretamente, que não conhecemos, mas que, mesmo assim, influenciam em nossas ações diárias, como, por exemplo, aqueles industriais que demitem uma série de empregados, ou que jogam os resíduos de sua produção no meio ambiente, poluindo-o. Há também, aqueles indivíduos cuja interação se dá de forma direta, mas nossos interesses recaem somente nas habilidades e funções desempenhadas por eles em nossa vida. Os conteúdos das interações orientam-se para o interesse que temos nas habilidades e funções dessas pessoas, por exemplo: o dentista, o vendedor, entre outros.
            Além desses contemporâneos, há os nossos predecessores (aqueles dos quais herdamos ‘sob a forma de mitos’ e ‘preservadas pela memória histórica sob a forma de cerimônias ou de uma adesão a interpretações peculiares do passado’ alguns comportamentos) e há os nossos sucessores, indivíduos para os quais deixamos marcas de nossa existência sem, contudo, esperar que nos respondam. Mudamos de lugares, de categorias, bem como as pessoas à nossa volta também, logo, a nossa empatia também muda. Em síntese, para Bauman, nossa “ autoidentidade fica atrelada às identidades sociais que exibimos para os outros e àqueles que encontramos em nossa existência cotidiana.”(p.54)
            Porém , ao longo dos anos temos feito divisões, a nossa “capacidade de fazer diferenciações e divisões no mundo inclui a distinção entre “nós” e “eles”. O que significa dizer que o "nós" refere-se a algum grupo a que sentimos pertencer e que entendemos e o "eles", ao contrário, a grupos a que não temos acesso nem queremos integrar.”(p.54) Em sociologia o ‘nós’ é representado como intragrupo e o ‘eles’ como extragrupo.
            Em outras palavras, conforme o filósofo e historiador francês Michel Foucault e o também filósofo francês Jacques Derrida sugeriram, temos uma identidade constituída pelo processo de rejeição dos negativos – o extragrupo. Portanto, nossa autoidentificação sofre influência dos recursos que extraímos de nosso ambiente, e não se apresenta de forma fixa, porém, as oposições tornam-se ferramentas através das quais ‘cartografamos’ o mundo.
            Significa dizer que essa noção de pertencimento a um grupo (familiar, instituição, pátria, religião, entre outros.) implica em comportamentos muitas vezes que caminham contra a integração das diferenças. Fazer parte de um grupo significa vivenciar e seguir determinadas regras e comportamentos implícitos a esse grupo, implica uma ajuda mútua, uma solidariedade, um cuidado e uma proteção para com os membros desse grupo. Essa noção de pertencimento faz com que desenvolvamos mesmo inconscientemente determinados comportamentos e atitudes para a manutenção e proteção desses grupos. Aí reside o problema, pois o empenho contido na imagem da unidade e a sustentação dessa realidade tornam-se frágeis, à medida que esse esforço de sustentação da lealdade em grandes grupos, acabam por se manterem por meio da prática da hostilidade em relação a um extragrupo, como a história da humanidade há muito vem demonstrando. Surge, então, o preconceito para com o outro, visto como inimigo, e na recusa em admitir não só virtudes nesse outro como também na aceitação da possibilidade de serem honestas as intenções alheias. Vale ressaltar ainda, que qualquer atrocidade nossa contra alguém do extragrupo parece não se chocar com a consciência moral, porém, quando o outro nos infringe algum ato, mesmo brando , regras severas de punição devem ser impostas. Aquele que faz parte do meu grupo pode cometer qualquer atrocidade e será considerado um 'soldado da liberdade', mas se alguém do grupo oposto fizer a mesma coisa contra o meu grupo será um 'terrorista'.
            A história está aí e não nos deixa ocultar uma série de ações desse tipo como, vimos com o antissemitismo na Europa; as mulheres no período da Inquisição; a xenofobia nas cidades modernas, em suma, não nos faltariam exemplos. A questão é: em pleno século XXI não aprendemos a viver e aceitar as diferenças. Há um movimento mundial de cientistas, estudiosos, pesquisadores, terapeutas, educadores, psicólogos... tentando trazer essa nova consciência de que não somos seres fragmentados, mas fazemos parte dos fragmentos que geram a totalidade, fragmentos estes que agem inconscientemente mas de maneira integrada com essa totalidade.

24 fevereiro 2012

Uma nova educação

         O texto abaixo pertence a Roberto Crema e apresenta uma discussão acerca dos parâmetros educacionais. Vale refletir.
         Uma nova educação precisa transgredir a normas reinantes e decadente. Com suavidade e vigor, com paciência e atrevimento, com flexibilidade e destemor. É com este intuito que quero apontar para esta epopéia a ser desbravada: educar para a Vida, educar para a excelência, educar para Ser.
             No século XX, nós vivenciamos, horrorizados, a duas guerras mundiais e cerca de três centenas de outras guerras. Inauguramos o século XXI e o terceiro milênio com a gélida face do terror, e os seus nefastos desdobramentos. No momento em que estou falando neste congresso, estão transcorrendo cerca de 35 guerras, 95% das quais por questões étnicas e religiosas. E no triste momento em que estou fazendo a revisão deste texto, 19 de março de 2003, uma guerra insana acaba de ser deflagrada, por aqueles que querem eliminar a violência com uma violência maior... É urgente indagar: onde estamos aprendendo a conviver, a viver com? Talvez em alguns espaços terapêuticos e, seguramente, para os que buscam, aos trancos e barrancos, nas sarjetas da existência...
         Estes tristes fatos indicam o óbvio e escandaloso fracasso da educação convencional. São sintomas indicativos de uma instituição esgotada, em estado de decadência, tendendo para o obsoleto. Modelado pelo paradigma da idade moderna, que surgiu no século XVII, precisamos manter o positivo e funcional deste sistema educacional, prevenindo-nos do desastre que consiste em jogarmos fora a criança, junto com a água suja. O enfoque materialista da ciência convencional, com a virtude da razão analítica e a estratégia operacional do empirismo, legou-nos a maravilha de uma tecnociência que pode estar a serviço da causa humana. Desde que complementada com a inteligência do coração, de onde uma ética emana. Juntamente com o empenho facilitador para o despertar das poderosas correntes da fraternidade, do cuidado amoroso. Para que educamos? Educamos a quem?

Esclarecendo Visões: educar conscientemente

        Façamos uma reflexão de base para esclarecer nossa visão do ser humano, a partir da qual poderemos redesenhar o processo educacional em todas as suas dimensões. Antes de falar de educação necessitamos de esclarecer o que Jean-Yves Leloup denomina de pressupostos antropológicos. Afinal, que ser humano é este que queremos educar? Qual a visão que postulamos do projeto humano?

            A cosmovisão, além de ser uma descrição do mundo, modela a nossa atitude diante do real. Uma antropologia, além de ser uma visão e leitura do ser humano, modela a nossa atitude frente a nós mesmos, frente ao outro e à humanidade. Se não definimos consciente e lucidamente estes pressupostos, será o inconsciente, com o seu fardo de compulsões derivadas do passado, que governará as nossas ações.
Como postulava Eric Berne, todos tivemos que responder algumas questões fundamentais nos primeiros anos da infância: quem sou eu? O que é o mundo? Quem são as pessoas que me rodeiam? Quem sou eu diante dos outros? Eu sou melhor? Eu sou pior? O que acontece a pessoas como eu?... As decisões precoces, decorrentes de nossas respostas infantis, é uma estrutura significativa com valor de sobrevivência, um tipo de manual de operação orientador na relação consigo mesmo, com os outros e o mundo. A decisão de ontem torna-se a compulsão do amanhã. Se este plano nos foi útil, no passado remoto, mais tarde se transforma num bloqueio da inteligência, condenando-nos a nos deixar guiar pela precariedade do pensamento mágico da primeira infância.
       Sem o investimento na tomada de consciência deste programa interior, destas vozes íntimas estruturantes, capazes de dirigir o rumo da existência, é o passado que prevalece, modelando um existir predeterminado, por trilhos viciados, sem o dom da Autoria. Freud denominou a estas poderosas forças de inconsciente. Eric Berne operacionalizou este esquema hipnótico, nomeando-o de script, um plano de existência não consciente, determinado pelas decisões precoces da primeira infância. Stanley Krippner se referiu a esta realidade como mitologia pessoal. O autoconhecimento é uma tarefa pedagógica, talvez a mais nobre e imprescindível....